quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Corrupção policial

Introdução
As condutas indevidas são uma ameaça permanente e latente na polícia. Os policiais ficam expostos cotidianamente a diferentes situações que geram decisões rápidas, onde o profissionalismo e os valores são colocados a prova. Em outras palavras, o nível de exposição é maior do que aquele de um cidadão comum.
A falta de probidade, a corrupção e os procedimentos irregulares são condutas qualificadas como "indevidas" em uma instituição policial.
No entanto, qualquer normativa sobre a profissão não pode ser, em si mesma, o primeiro princípio ao qual se submeter, pois se deve considerar a existência de diversos componentes éticos:  
- A responsabilidade dos próprios atos diante de sua consciência, a de seus subalternos, a da Instituição e a da sociedade.

- A adesão a princípios éticos superiores e permanentes.
- O espírito de serviço
- A busca do bem comum.
- A honra, a disciplina e a lealdade entre os colegas de profissão e diante dos beneficiários do serviço público.
- O desejo de autocontrole e de controle mútuo no interior da gestão de mando que lhe caiba desenvolver.
- A consciência de que entre a Polícia e o cidadão existe, normalmente, uma proporção assimétrica de poder, sendo que o primeiro possui mais conhecimentos e mais recursos de diversos tipos que o segundo, o que o coloca, desde o início, em uma situação de superioridade.
- Uma compreensão da própria função de chefe policial como um meio de auto-realização vocacional, antes do que como um meio de lucro.
- Uma opção por uma atitude que prioriza a pessoa e a perfeição da obra, anteriormente ao sucesso imediato ou os exclusivos requerimentos da sociedade de consumo na qual vivemos.
Devemos fazer uma distinção inicial que nos permita focar o debate conceitual a ser apresentado mais adiante. A corrupção no interior dos órgãos policiais pode ser de dois tipos: o primeiro, a corrupção administrativa, referida àquelas condutas no nível da gestão de recursos humanos e materiais no interior da instituição e que são semelhantes àquelas presentes em outros órgãos públicos (pagamento de comissões por contratos internos, desvio de fundos, pagamento por promoções ou traslados, entre outras); o segundo tipo refere a uma corrupção produto das relações com o meio externo à instituição, isto é, apresenta-se “para fora” da instituição, no contato cotidiano dos policiais com cidadãos e criminosos. Essa é a corrupção operacional (aceitar/pedir dinheiro para não proceder a uma multa ou uma detenção, extravio ou produção intencional de evidência, proteção de criminosos, como exemplos). Será essa última o foco de nosso interesse, já que, por um lado, apresenta-se unicamente nos funcionários policiais e não em funcionários públicos em geral; por outro lado, é essa aquela que gera maior impacto na cidadania, diminuindo a confiança na polícia e aumentando a percepção de insegurança que traz junto com ela.
Da mesma forma, a corrupção operacional reduz a eficiência policial, pois diminui o interesse do funcionário policial em cumprir com a missão institucional (Urueña, 2001).
Para nos aproximar de uma definição desta corrupção operacional, a literatura aponta um primeiro elemento que deve se considerar como central: todo ato de corrupção policial constitui um ato de abuso de autoridade, uma vez que quem o comete "tira vantagem" de sua posição e do poder que lhe é outorgado (Newburn, 1 999; Urueña, 2001).
Esse elemento permite distinguir entre atos meramente ilegais, realizados por um policial e aqueles que, além de cometer crimes, são corruptos. Como assinala Klockars "se oficiais de polícia roubam bens da cena de um crime à qual têm sido chamados para investigar, são corruptos. Se roubam sua família, seus amigos, ou em uma loja ou casas, sem estar protegidos por sua autoridade de policiais, são meros ladrões".
Em segundo lugar, não todo ato de corrupção é necessariamente um ato ilegal. Assim, o fato de um policial aceitar um café ou outro bem ou serviço pelo qual normalmente deveria pagar (gratuidade), não constitui um fato ilícito, mas bem poderia ser considerado um ato de corrupção se essa "gratuidade" gera algum tipo de compromisso com seu provedor.
A distinção entre "subornos" e "gratuidades" está separada por uma tênue linha que deve ser definida na prática. Kleining coloca a seguinte distinção: um “suborno” tem uma magnitude significativa e, geralmente, proporcional ao serviço ou favor requerido e sua motivação é corromper a autoridade; as “gratuidades”, ao contrário, tendem a ser mais simbólicas e nada pode implicar, ao menos inicialmente, que uma “gratuidade” entregue a um oficial de polícia tenha a intenção de ter alguma influência sobre sua atuação como policial.
Os argumentos, tanto a favor como contra, da aceitação de "gratuidades" são diversos. Todos aqueles formulados em contrário, situam-na como um problema basicamente ético, já que os serviços policias e seus agentes devem atender a todo cidadão em igualdade de condições. A aceitação esporádica ou sistemática de "gratuidades" gera, de uma ou outra forma, um compromisso que pode induzir um oficial a ter um trato diferenciado com aqueles que lhe oferecem esses benefícios (Newburn, 1999). 
Então, a noção da ilegalidade do ato não é suficiente, posto que a corrupção policial se constitui como um problema ético precisamente devido, como já foi colocado, à missão institucional que a polícia é chamada a cumprir.
No marco dos processos de reformas policiais que vêm sendo desenvolvidos na América Latina, a desconfiança na instituição e a percepção de ineficiência por parte da cidadania são elementos centrais para diagnosticar a necessidade dessas reformas (Rico e Chinchilla, 2006, citado em Newburn, 1999).
Tipos de corrupção
Urueña (2001) levanta a distinção entre corrupção permanente e corrupção circunstancial. Sendo a primeira aquela referida a estados de corrupção permanentes, pois os policias obtêm um benefício de atividades ilícitas que estão, ou deveriam estar, submetidas à sua fiscalização. A corrupção circunstancial, por sua vez, corresponde a atos isolados de corrupção aproveitados pelo policial para obter algum benefício.
Tabela: Tipologia de "estados" e atos de "corrupção operacional"
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Newburn constrói esta tipologia de atos corruptos a partir dos autores Roebuck And Barker (1974). Também é recomendado ver: Carter (1990), Sayed and Bruce (1998). Nesse documento são apresentadas apenas aquelas que estão classificadas como corrupção operacional.
Esta tipologia considera atos leves e estados avançados de corrupção, sendo expressos em forma ascendente na tabela. Encontra-se implícita, no modelo apresentado, a idéia de que um policial que é iniciado com um ato de corrupção menos sério (corrupção de autoridade, por exemplo) avança para aqueles maiores. Aqui fica em evidência a importância de intervir o mais previamente possível.
Isto se traduz em medidas concretas nos seguintes âmbitos:
1. Aperfeiçoamento dos mecanismos de seleção de pessoal;
2. Reforço de valores policiais na primeira etapa de formação profissional;
3. Reforço cíclico de valores no pessoal por vários anos;
4. Geração de uma maior capacidade da instituição para identificar e monitorar fatores de risco;
5. Explicitação de condutas exemplares e reforço de condutas positivas;
6. Consolidação de mecanismos que aumentam a capacidade de detecção de casos de faltas à probidade, corrupção e procedimentos irregulares; e
7. Exploração e busca de estratégias validadas para tratamento do tema.
A experiência internacional na matéria de corrupção policial e estratégias para sua contenção aconselham um enfoque situacional e preventivo, e não apenas punitivo, quer dizer, trabalhar os fatores e circunstâncias que geram oportunidades para corromper. Sem dúvida, qualquer estratégia de contenção passa por um bom controle externo e interno e por ações orientadas a prevenir este tipo de condutas.
Medidas em andamento na Polícia de Investigações do Chile (PDI).
Se bem a instituição não enfrenta uma situação de corrupção sistêmica, tal como demonstram os monitoramentos internos e os estudos e estatísticas externas, foi considerado oportuno adotar 19 medidas que aprofundam uma política de tolerância zero, especialmente, no nível da prevenção, controle e monitoramento de condutas indevidas, as quais passam a ser matéria de prestação de contas das respectivas chefias e repartições envolvidas na sua implementação.
No âmbito da prevenção, destaca-se:
1. O reforço, em termos de recursos humanos, do Departamento V de Assuntos Internos e do Departamento VII de Procedimentos Policiais, ambos da Inspetoria Geral, com pessoal destinado à investigação das denúncias e queixas contra funcionários, e o aperfeiçoamento dos procedimentos de vigilância das atuações dos funcionários. 
2. A criação de uma Unidade de Análise e Monitoramento de condutas ilícitas e indevidas na Inspetoria Geral, antecipando tendências e recomendando cursos de ação que garantam uma prevenção e controle eficazes.
3. A implementação, desde abril de 2009, de um programa permanente de atualização de conhecimentos e práticas modernas de gestão policial através da Academia Superior de Estudos Policiais. Isto, sobre a base de três módulos dirigidos a oficiais com 5, 10 e 15 anos, permitirá o reforço em matéria operacional e administrativa e, especialmente, em ética e deontologia policial.
4. A criação de um Departamento de Direitos Humanos e Deontologia Policial na Chefia de Educação Policial, destinado a realizar análises de casos e gestão de conhecimento, a fim de identificar medidas preventivas e de disseminar boas práticas diretamente em todos os níveis de aspirantes a oficiais de polícia e, indiretamente, em toda instituição.
5. O reforço acadêmico-valorativo do pessoal vinculado à Escola de Investigações Policiais, que se desempenha como tutor de Oficiais Policiais formados, integrando práticas mais modernas de indução da labor operacional e de acompanhamento do pessoal novo.
6. A criação de uma Comissão Especial ad hoc para estudar, revisar e propor melhoras no corpo jurídico e regulamentar da PDI, permitindo um monitoramento e controle eficazes das condutas dos funcionários, com apoio de instituições e especialistas nacionais e internacionais.
7. A antecipação dos prazos de execução do Projeto 10 do Plano Estratégico Institucional “Minerva”, que busca gerar, executar e sistematizas estratégias orientadas a evitar que aconteça uma conduta indevida. Isto facilitará a gestão de informação intra e extrainstitucional relativa aos atos de falta de probidade e à labor dos órgãos de controle e sanção e, finalmente, promoverá medidas normativas e reafirmará os valores policiais.
8. A execução de um programa de indução em nível nacional como parte da Agenda de Probidade e Transparência, sobre a base de conversas sobre acesso à informação pública, iniciado em finais do mês de novembro de 2008 na Região Policial Metropolitana (Santiago do Chile), antecipando o cenário de abril de 2009, que procura capacitar o pessoal no exercício dos direitos cidadãos e das obrigações do pessoal da PDI. Esse processo se conclui na segunda quinzena de janeiro.
No âmbito do controle:
9. Foi fortalecida a liderança da Chefia Nacional de Crimes contra a Propriedade, nomeando um Oficial Geral como responsável, bem como um novo chefe responsável da Brigada de Roubos Metropolitana (BIROM), especialistas nessa área.
10. Será criada a figura de um “Contralor Regional Interno” que terá a missão de contribuir com a desconcentração da labor da Inspetoria Geral, tornando, dessa forma, os mecanismos de fiscalização e supervisão em cada região policial do país mais efetivos e diretos.
11. Será implementada uma Comissão Especial para formular propostas que permitam aperfeiçoar as atribuições do Conselho Superior de Ética Policial, tendente a facilitar o afastamento de funcionários por condutas indevidas.
12. Será dada continuidade à aplicação seletiva e aleatória e será aumentada a quantidade de testes de droga entre o pessoal institucional.
13. Será criada uma Unidade Especial destinada a desenhar os mecanismos e cursos de ação correspondentes, a fim de melhorar a resposta a queixas e denúncias dos cidadãos, que facilite a pré-denúncia via web. O mesmo deverá oferecer ao pessoal interno e aos cidadãos garantias de reserva de identidade e confidencialidade, facilitando o controle social interno e externo e a accountability policial necessária diante de fatos desta natureza.
14. Serão introduzidos novos índices de gestão no sistema de monitoramento e controle através da Ordem Geral que determina as metas, índices e indicadores da gestão policial 2009-2010 da PDI. Os mesmos referem ao desempenho dos chefes de unidades em matéria de sumários, investigações sumárias e outras atuações, permitindo assim enfatizar a responsabilização do mando.
No âmbito do monitoramento:
15. Serão implementadas entrevistas aleatórias e obrigatórias com funcionários destinados a novas unidades dentro dos primeiros 6 meses, com a finalidade de detectar fatores de risco.
16. Será criado um cadastro permanente de sumários e investigações sumárias pendentes, permitindo antecipar resultados e possíveis fatos de alto impacto mediático.
17. Será estudada a criação de um sistema de prevenção de dívidas excessivas por parte dos funcionários. Isto busca evitar condutas indevidas para sustentar dívidas econômicas.
18. Serão realizadas reuniões com o pessoal em todas as unidades do país, a fim de explicar os fatos e sensibilizá-los respeito à responsabilidade do mando e do controle social informal responsável que devem exercer sobre seu pessoal.
19. Serão promovidas reuniões das chefias superiores com autoridades regionais, provinciais e locais, incluindo os médios de comunicação, a fim de prover antecedentes verídicos e estatísticas que reflitam a real magnitude do problema, facilitando o conhecimento das ações empreendidas pela PDI neste campo.
Además, de la Intervención del Director General de la Policía de Investigaciones de Chile, Don Arturo Herrera Verdugo, ante la Comisión Permanente de Seguridad Ciudadana y Drogas de la Honorable Cámara de Diputados, del Congreso de Chile, el día 04 de diciembre de 2008.
NOTA: Esta apresentação foi elaborada com base no Documento de Trabalho Nº 1, “Reflexões em torno à corrupção policial”, do Projeto Geração de Redes de investigadores e profissionais vinculados com matérias policiais e de direitos humanos no México, Notas e experiências para a reforma policial no México, realizado por Alejandra Mohor e Hugo Frühling, do Centro de Estudos em Segurança Cidadã (CESC) da Universidade do Chile, Santiago do Chile, outubro de 2006.
Também a partir da intervenção do Diretor Geral da Polícia de Investigações do Chile, Don Arturo Herrera Verdugo, diante da Comissão Permanente de Segurança Cidadã e Drogas, da Honrosa Câmara de Deputados, do Congresso do Chile, no dia 4 de dezembro de 2008.
Bibliografia
Carter, D.L. (1990) “Drug- related corruption of police officer: A contemporary typology” en Journal of Criminal Justie Vol 18, pp 85 - 98.
Newburn, Tim (1999) “Understanding and preventing police corruption: lessons from the literature”, Police Research Series Paper 11 0. Home Office, Policing and Reducing Crime Unit.
Rico, J.M. y Chinchilla, L. (2006) Las reformas policiales en América Latina: situaciones, problemas y perspectivas.
Roebuck, J.B. y Barker, T. "A tipology of police corruption" en Social Problem, Vol 7, nº1, 1974, pp 423 - 437.
Sayed, T. y Bruce, D. (1998) “Police Corruption: toward a working definition” en African Security Review, Vol. 7, Nº 2.
Urueña, Nubia (2001) “La corrupción en la policía. Modalidades, causas y control”, en Policía, sociedad y estado: modernización y reforma policial en América del Sur, Frühling, H y Candina, A, Editores. Centro de Estudios para el Desarrollo, pp. 107- 131.
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