sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

PMs de São Paulo são presos suspeitos de roubar caixas eletrônicos

Três homens, sendo dois policiais militares, foram presos sob suspeita de envolvimento com uma quadrilha que explodia e roubava caixas eletrônicos, em São Paulo, na noite da última segunda-feira. A investigação, que envolveu a Corregedoria da Polícia Militar e o Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), começou em abril. Segundo o Deic, os policiais presos monitoravam a comunicação do rádio da PM durante as ações da quadrilha e avisavam os comparsas para que fugissem antes da chegada da polícia. A quadrilha também roubava casas.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Levantamento do GLOBO mostra que soldados e sargentos da PM têm carrões de até R$ 102 mil

RIO — Se fosse usada como parâmetro para avaliar a remuneração na Polícia Militar, a frota particular estacionada em pátios ou nos arredores de batalhões colocaria em xeque a retórica dos baixos salários. Isso porque não faltam veículos caros — alguns de luxo, com valor de mercado em torno de R$ 100 mil — em nome de sargentos e até mesmo de soldados. O GLOBO visitou, ao longo de uma semana, unidades da PM no Centro e em bairros das zonas Sul, Norte e Oeste, e checou a propriedade de vários carros. O levantamento foi passado à Secretaria estadual de Segurança, que, este ano, abriu sindicâncias para apurar o patrimônio de cerca de cem policiais.
Com salários de R$ 2,3 mil e R$ 4 mil, respectivamente, soldados e sargentos podem ser vistos dirigindo modelos que custam até 43 vezes o valor de seus vencimentos, como os utilitários Hyundai Santa Fé e Honda CR-V EXL e as caminhonetes Amarok CD High e Nissan Frontier, com tração 4x4. Veículos assim costumam parar em frente aos batalhões de Botafogo, Bangu e, principalmente, Rocha Miranda.
UMA MÁQUINA QUE VALE MAIS R$ 100 MIL
É no 9º BPM (Rocha Miranda) que está lotado um sargento proprietário de um Hyundai Azera 3.0 V6 ano 2013. O carrão, de acordo com a tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) custa pelo menos R$ 102 mil. Na madrugada do último dia 20, um outro sargento do mesmo batalhão invadiu, de arma em punho, um depósito da Secretaria municipal de Ordem Pública para recuperar sua picape Toyota Hilux ano 2006, que havia sido rebocada. O veículo está avaliado em aproximadamente R$ 62 mil.



Hyundai Azera
O endereço que consta no registro de propriedade do Hyundai Azera fica na Rua Tacaratu, quase em frente ao 9º BPM. A casa informada no documento, contudo, não serve de moradia. O imóvel tem finalidade comercial — nele, é possível comprar cestas básicas ou alugar mesas e cadeiras para festas. Em um telefonema para a casa, um homem que atendeu a ligação questionou se o sargento estava sendo investigado pela equipe de reportagem e desligou em seguida.

SEM PREOCUPAÇÃO COM MULTAS
Muitas vezes, faltam vagas na Rua Tacaratu para tantos carros de PMs. Por isso, é fácil encontrar automóveis parados em fila dupla, como aconteceu no último dia 25. Sem se preocupar com multas, um sargento do 9º BPM ocupou parte da pista para estacionar sua picape cabine dupla Mitsubishi L 200 Triton 3.2 ano 2010, avaliada em R$ 80 mil. Com um detalhe: uma carreta para transporte de motocicletas estava acoplada ao veículo.
Como tem sido difícil estacionar em frente ao 9º BPM, alguns policiais param seus carros a aproximadamente 50 metros da entrada do batalhão, na esquina da Rua Tacaratu com a Estrada do Sapê. Ali, também no último dia 25, um soldado conseguiu parar sua SUV Hyundai Santa Fé V6, ano 2008 e com preço médio de R$ 52 mil, sob a sombra de uma amendoeira. Um colega da mesma patente não teve tanta sorte: seu Kia Cerato 2011, estimado em R$ 41 mil, ficou ao sol.



Soldado e sua SUV
Já um soldado do 16º BPM (Bangu) não precisa procurar vaga na rua: ele costuma parar sua Renault Duster 16 D, fabricada este ano e com valor de mercado entre R$ 49 mil e R$ 62 mil (segundo a Fipe), no estacionamento interno do batalhão. Em setembro, a unidade foi um dos alvos da Operação Amigos S.A., que, deflagrada pela Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública e pelo Ministério Público estadual, levou à prisão 26 policiais, incluindo seis oficiais.




No 16º BPM, o gosto por carrões não parece ser algo limitado a praças e sargentos. Investigações revelaram que, poucas semanas antes da realização da Amigos S.A., um major trocou um Citröen Pallas avaliado em R$ 65 mil por uma picape Dodge Journey que custou R$ 120 mil. Hoje, três meses depois da operação, veículos caros voltaram a ocupar as vagas que ficam no interior e em frente ao batalhão. Na lista de possantes, a marca Toyota figura entre as favoritas e foi a escolhida por um sargento, que dirige pelo pátio um modelo Corolla 2013 de quase R$ 70 mil.

AUTOMÓVEIS EM NOME DE TERCEIROS
Dimensionar a frota de luxo dos PMs não é tarefa fácil. Os muros altos de vários batalhões dificultam a visão dos veículos parados nas áreas internas. Porém, muitos não se preocupam em esconder seu patrimônio. É o caso de um soldado do 16º BPM (Olaria), que tem vaga cativa na Rua Jorge Martins para sua SUV Honda CR-V 2008, cujo preço médio é R$ 54 mil.
Outro obstáculo para investigadores é a grande quantidade de veículos registrados em nome de parentes, principalmente mulheres dos policiais. Um sargento do Batalhão de Choque, por exemplo, é casado com a proprietária de uma caminhonete Amarok CD 4x4 High ano 2012, avaliada em R$ 102 mil. Por sua vez, um policial do 2º BPM (Botafogo) tem o hábito de dirigir a SUV Dodge Jouney SXT 2009 da companheira. O carro está cotado em R$ 56 mil.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, desde o início do ano, a Corregedoria-Geral Unificada (CGU) apura cerca de cem casos de suposta incompatibilidade entre salários e bens acumulados por PMs. O órgão informa que os sinais de riqueza mais comuns são justamente veículos, seguidos de imóveis. Ainda segundo a secretaria, o sargento do 16º BPM que dirige um Toyota Corolla já está sendo investigado pela CGU.
A Polícia Militar destaca que, em cada batalhão, há uma comissão — composta pelo subcomandante, por outros três oficiais e por integrantes do setor de inteligência — encarregada de investigar supostos casos de enriquecimento ilícito na tropa. “Essa análise é checada com os bens declarados no Imposto de Renda. Caso ocorra alguma irregularidade, os comandantes enviam a investigação para a Corregedoria da PM, que remete os documentos à CGU, para que a sindicância patrimonial seja instaurada’’, diz uma nota da corporação.
A PM informa também que o salário-base de um soldado é R$ 2.326,54 e de um cabo, R$ 2.679,74. Os vencimentos de um sargento variam de R$ 3.132,58 a R$ 4.070,85. A corporação ressalta que a renda pode aumentar de acordo com triênios, gratificações, cursos e outros benefícios. O GLOBO fez pedidos aos batalhões da Polícia Militar citados nesta reportagem para ouvir os proprietários dos veículos, mas não obteve respostas do comando dessas unidades.

Fonte http://oglobo.globo.com/

sábado, 18 de outubro de 2014

Desmantelado 'balcão de negócios' de PMs na Ilha do Governador - RJ

Operação Ave de Rapina prendeu dezesseis policiais militares acusados de sequestrar traficantes, roubar ouro e vender fuzis que deveriam ser apreendidos

Leslie Leitão, do Rio de Janeiro
Fachada da casa do acusado, tenente-coronel Dayzer Corpas Maciel
Fachada da casa do acusado, tenente-coronel Dayzer Corpas Maciel (O Dia)
A subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança (Ssinte) começou a desmantelar na manhã desta quinta-feira um dos maiores e mais longevos esquemas de propinas do Rio de Janeiro envolvendo policiais e traficantes. Na última década, a Ilha do Governador transformou-se num oásis de corrupção, em que dois criminosos passaram a comandar não apenas as favelas onde ficam entrincheirados sob a proteção de centenas de fuzis mas praticamente todo o comércio do bairro de classe média da Zona Norte da cidade onde está instalado o Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão). Às 6 horas, a Operação Ave de Rapina prendeu dezesseis policiais militares do 17º BPM (Ilha), responsável pelo patrulhamento da região, entre eles o tenente-coronel Dayzer Corpas Maciel, que até anteontem comandava a unidade, mas que foi promovido no início da semana e transferido para o Comando de Policiamento Especializado (CPE), que coordena várias unidades da PM. Além das propinas, o grupo é acusado de sequestrar traficantes, roubar ouro e vender fuzis que deveriam ser apreendidos. Na denúncia, o Ministério Público trata o batalhão como um ‘balcão de negócios’ e afirma que, durante as investigações, ‘restaram demonstrados indícios de que inclusive integrantes do Estado Maior da PM, infelizmente, possui fortes vínculos com o tráfico da Ilha’.
Numa única ação, em 16 de março passado, o grupo extorquiu dois criminosos da Favela da Coreia (em Senador Camará, Zona Oeste). Eles estavam em uma reunião no Morro do Dendê, na Ilha, e foram abordados quando passavam pela Estrada do Galeão. As imagens de uma unidade da Aeronáutica filmou a ação. Cinco bandidos estavam dentro da Ecosport vermelha, que foi abordada pelos policiais. Após duas horas de negociação, apenas três deles foram levados para a delegacia e acabaram presos com 18 granadas, três pistolas e um fuzil. Os bandidos - Atileno Marques da Silva, o Palermo, e Rogério Vale Mendonça, o Belo - acabaram liberados: "Os PMs receberam 300 000 em espécie, desviaram três fuzis, que depois foram vendidos por 50 000 cada para o próprio Dendê, e joias. De tudo isso, 40 000 foram para o comandante do batalhão", afirmou o delegado Fábio Galvão, subsecretário de Inteligência. 
Naquela mesma noite, um dos policiais, o sargento Francisco Zilvano Fonteles, telefonou às 19h51 para a advogada da quadrilha, Rosângela Azevedo Gomes. Ela estava em Campo Grande, a quase 40 quilômetros de distância. A partir daí foram vários os contatos telefônicos, o último às 2h13, quando as antenas dos telefones celulares registravam a mesma antena, na Ilha do Governador, indicando um encontro pessoal. O pagamento foi feito com ajuda de bandidos da Coreia e do próprio Dendê. Os traficantes ficaram devendo uma parcela que foi paga meses mais tarde, mas a investigação, que teve apoio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), não conseguiu detectar quanto.
O caso foi revelado pelo site de VEJA, em abril. Na época, o coronel Corpas chegou a prender 14 PMs administrativamente. Um inquérito policial militar (IPM) foi instaurado, mas as investigações internas se encaminhavam para um desfecho brando, no qual somente soldados e cabos seriam punidos, livrando o comandante e o chefe do Serviço Reservado, tenente Vitor Mendes da Encarnação. “Recebemos uma denúncia de que estava havendo uma enorme pressão para que a investigação interna não desse em nada. E é por isso que tiramos a investigação de dentro do batalhão. É preciso investigar além das ruas, chegar nos níveis mais altos da corrupção”, afirmou Paulo Roberto Mello Cunha Júnior, da 2ª Promotoria de Justiça junto à Auditoria da Justiça Militar.
Os investigadores, mais uma vez, contaram com um depoimento de um policial para desmantelar o grupo. Os promotores e o delegado da Ssinte classificaram o homem como ‘colaborador premiado’. O sargento chegou a aparecer nas imagens durante a abordagem do carro com os traficantes, mas não concordou com a liberação de dois criminosos. Em seguida, ele acabou transferido para outro batalhão. Ouvido como testemunha dentro do inquérito, ele decidiu colaborar. E através do seu depoimento foi possível esclarecer cada passo da extorsão do dia 16 de março e como funciona o esquema de ‘mensalão’ do tráfico da Ilha.
As prisões de parte do batalhão responsável pela região acontecem dez meses depois de a edição de VEJA revelar um grande esquema de corrupção que custa cerca de 500 000 reais mensais aos chefes do tráfico local, Fernando Gomes de Freitas, o Fernandinho Guarabu, e Gilberto Coelho de Oliveira, o Gil. A dupla coleciona mais de uma dezena de mandados de prisão, mas a fortuna gasta com agentes corruptos lhes mantém em liberdade desde 2003. Na denúncia, os promotores Claudio Calo, Cláucio Cardoso da Conceição e Paulo Roberto Mello Cunha Júnior descrevem essa relação promíscua: “É notório e público que o 17ºBPM não demonstra eficiência e interesse no combate ao tráfico e ao transporte alternativo”, e completam dizendo que Fernandinho Guarabu age como quer porque “(...) faz com que o bairro seja um fictício paraíso urbano para seus moradores, sem que haja a violência típica urbana, pois proíbe furtos, roubos e latrocínios, sob pena de seus autores serem condenados à morte”.
Durante o cumprimento de 43 mandados de busca e apreensão, mais cedo, os agentes encontraram, na casa do coronel Dayzer Corpas Maciel, documentos e notas fiscais que comprovam que a unidade militar comprava material de construção na loja de ferragens da esposa do comandante, que fica no mesmo bairro. O caso será enviado à Promotoria de Tutela Coletiva para que o militar seja investigado por improbidade administrativa. O caso escancara, mais uma vez, a corrupção em todas as esferas da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Há um mês, o coronel Alexandre Fontenelle, número 3 na hierarquia da corporação, foi preso acusado de comandar um esquema de extorsão na Zona Oeste. Apesar disso, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, disse que o comandante geral José Luís Castro não será exonerado. “Não vamos passar a mão na cabeça de ninguém, mas também não vamos tomar decisões antes do juízo”. A decisão pela mudança de comanda já foi tomada. Resta saber se a troca acontecerá antes ou depois do segundo turno da eleição.
Confira, abaixo, os vídeos da operação.
Os detidos Evanílson Ferreira Pinto e Rodrigo da Silva Alves são deitados no chão e os PMs conversam com os dois:
Após alguns minutos, os detidos Rogério Vale Mendonça e Atileno Marques da Silva são conduzidos em direção à viatura:
Rogério e Atileno são colocados no banco traseiro do veículo:



quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Investigação aponta desvios milionários na rede de saúde da PM RJ

Dez contratos estão sendo auditados. Corporação adquiriu, por mais de R$ 4 milhões, 75 mil litros de ácido

ADRIANA CRUZ
Rio - O desvio de verba em um megaesquema de corrupção na compra de material médico-hospitalar para unidades da Polícia Militar é avaliado em no mínimo R$ 10 milhões. A corporação instaurou um  inquérito Policial Militar (IPM). Em paralelo, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público, também apura o rombo na área da saúde. Dez contratos estão sendo auditados. 
Como o blog Justiça e Cidadania publicou nesta terça com exclusividade, a corporação adquiriu, por mais de R$ 4 milhões, 75 mil litros de ácido peracético — usado para esterilizar material cirúrgico que não ia para o autoclave. O produto seria para o Hospital Central da Polícia Militar (HPM), no Estácio. 
A unidade não tem nem lugar para armazenar a grande quantidade. Para isso, seria necessário a utilização de cinco carros pipas ou 15 mil galões de cinco litros. No entanto, parte ínfima do ácido foi recebido. Há ainda a informação de que a compra foi feita este ano. Gerências de Enfermagem de dois hospitais de grande porte, um da Zona Sul, e outro em Niterói, afirmam que o uso de ácido peracético é obsoleto. 
Hospital da PM no Estácio receberia os 75 mil litros de ácido peracético, comprado pelas unidades
Foto:  Estefan Radovicz / Agência O Dia
Em nota oficial, a PM fez questão de ressaltar que a investigação começou na corporação com uma sindicância e que por haver indícios de crime foi aberto um IPM, na segunda-feira. O Inquérito está a cargo do coronel Wolney Dias, subordinado à Corregedoria da Polícia Militar. Há uma comissão que acompanha o caso. Porém, a Subsecretaria de Inteligência em parceria com o Gaeco apuram o caso em procedimento separado. Os maiores alvos são oficiais que atuaram no setores de compra e licitação, ligados à diretoria de logística. 
Uma auditoria no Hospital da PM em Niterói apura rombo de mais de R$ 3 milhões na compra de medicamentos. A investigação aponta ainda para falsificação de assinaturas em documentos para efetuar compras. Serão convocados para prestar depoimento, por exemplo, ex-responsáveis pelo Fundo de Saúde da Polícia Militar (Fuspom). 
Em nota, a PM explicou que o Fuspom banca a compra de material médico-hospitalar, além de rouparia. Para isso, há desconto de 10% do soldo do militar e de mais 1% para cada dependente. A corporação informou que não recebe dinheiro do Sistema Único de Saúde e que a fiscalização é feita por comissão gestoras composta só de oficiais.
Unidades atendem a cerca de 250 mil 
Pelo menos 250 mil pessoas — entre PMs ativos e inativos e seus dependentes — são atendidos pela rede de saúde da corporação. São dois hospitais, um no Rio, outro, em Niterói, além de policlínicas e centros especializados, como o de fisiatria. Segundo a PM, a prestação de contas é feita ao Tribunal de Contas do Estado. 
A investigação do megaesquema de corrupção é mais um escândalo envolvendo oficiais. Semana passada, o ex-comandante do 17º BPM (Ilha) coronel Dayzer Corpas foi preso acusado de recebimento de propina de traficantes.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Policial é preso acusado de desviar 81 armas da Polícia Militar do PR

Um policial militar foi preso acusado de desviar 81 armas da Policia Militar (PM) em Curitiba. Após uma investigação feita pela PM, a promotoria do Ministério Público do Paraná (MP-PR) ofereceu denúncia contra o policial. 

A promotoria suspeita que o soldado entregaria as armas para quadrilhas. Uma as armas foi apreendida em uma operação da PM no Sudoeste do Estado, em um assalto a caixas eletrônicos e a outra foi apreendida em um assalto à mão armada na Região Metropolitana de Curitiba.

O policial trabalhava no almoxarifado do comando regional da PM, em Curitiba, e foi preso preventivamente no dia 29 de agosto e encaminhado para o Batalhão de Polícia da Guarda, em Piraquara.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

MP começa a investigar comandante geral da Polícia Militar do Rio

RIO - Um dia depois do Corregedor-Geral das Polícias do Rio se negar a abrir sindicância para investigar a evolução patrimonial do comandante geral da Polícia Militar, coronel José Luis Castro Menezes, o Ministério Público (MP-RJ) anunciou que instaurou por conta própria investigação criminal militar sobre o PM e outros dois coronéis da cúpula da corporação. Em depoimento ao MP-RJ na semana passada, um dos 24 policiais presos na "Operação Amigos S.A." afirmou ter ouvido de oficiais presos na ação que todos os batalhões do Rio eram obrigados a pagar R$ 15 mil ao Estado-Maior da PM.
Segundo o MP-RJ, além do comandante estão sendo investigados o chefe do Estado-Maior Operacional, coronel Paulo Henrique Azevedo de Moraes, e o chefe do Estado-Maior Administrativo, coronel Ricardo Coutinho Pacheco. São os três cargos mais importantes na hierarquia da PM. 
O MP-RJ informou que também será analisado o envolvimento de outros PMs que tenham relação com o caso. A "Amigos S.A." desarticulou uma quadrilha que cobrava propina de comerciantes em Bangu, na Zona Oeste do Rio. Dos 24 PMs, seis eram oficiais, entre eles o comandante do Comando de Operações Especiais (COE), coronel Alexandre Fontenelle.
O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP-RJ, que foi parceiro da secretaria estadual de Segurança do Rio (Seseg) na operação, vai auxiliar na investigação dos três principais homens da PM. Ainda de acordo com o MP-RJ, a 2ª Promotoria de Justiça junto à Auditoria de Justiça Militar decretou o sigilo dos autos e requisitará o inquérito policial militar que a Corregedoria informou ter instaurado.
Negativa. Nesta quarta-feira, o Corregedor-Geral das Polícias, desembargador Giuseppe Vitagliano, se negou a cumprir pedido do Ministério Público do Rio (MP-RJ) para que fosse aberta sindicância para investigar a evolução patrimonial do comandante. O corregedor afirmou que "não há, até o momento, elementos que fundamentem a instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar e de Sindicância Patrimonial contra o Comando e o Estado Maior da PM".
Em nota, o corregedor das polícias afirmou que "o procedimento encaminhado à Controladoria Geral Unificada foi baseado em cópias de reportagens jornalísticas". Segundo a secretaria estadual de Segurança, o corregedor enviou ofício ao Juízo da Vara Criminal de Bangu solicitando cópia do depoimento do PM e também da denúncia, "para fazer uma avaliação mais completa".

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Operação contra quadrilha de PMs prende 22 no RJ

Ao todo 25 mandados de prisão foram expedidos. Entre os presos está o chefe do Comando de Operações Especiais (COE) - 3º na hierarquia da PM no Estado

O coronel Alexandre Fontenelle Ribeiro de Oliveira no momento da prisão, nesta segunda
O coronel Alexandre Fontenelle Ribeiro de Oliveira no momento da prisão, nesta segunda (Pablo Jacob/Agência o Globo)
Atualizado às 14h00
Vinte e dois policiais militares foram presos na manhã desta segunda-feira, no Rio de Janeiro, em uma operação conjunta entre o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Estadual, Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública e Corregedoria-Geral da Polícia Militar. A operação tem por objetivo desarticular uma quadrilha formada por pelo menos 24 PMs do 14° Batalhão (Bangu). Entre os presos está o coronel Alexandre Fontenelle Ribeiro de Oliveira, chefe do Comando de Operações Especiais (COE) da PM, considerado o terceiro na hierarquia da corporação no Estado. A ação busca cumprir 25 mandados de prisão – 24 deles contra policiais militares, incluindo seis oficiais, além de 53 de busca e apreensão.
De acordo com o MP, a quadrilha era integrada por pelo menos 24 policiais militares. O bando exigia propina de comerciantes, mototaxistas, motoristas e cooperativas de vans, além de empresas transportadoras de cargas na Zona Oeste do Rio. Segundo as investigações, os policiais, mediante pagamento, ignoravam o combate ao transporte irregular de passageiros em vans ou kombis – até mesmo o feito por veículos roubados ou com chassi adulterado. A quadrilha também liberava a atuação de empresas de transporte de mercadorias em situação irregular, assim como a venda, no comércio varejista, de produtos piratas. Após o pagamento, os comerciantes em situação irregular recebiam uma espécie de autorização oficiosa para continuidade de suas atividades.
Os mandados foram obtidos a partir de denúncia encaminhada pelo Gaeco à 1ª Vara Criminal de Bangu. Entre os denunciados estão seis oficiais que eram lotados no 14° BPM (Bangu): o ex-comandante coronel Alexandre Fontenelle Ribeiro de Oliveira e o ex-subcomandante major Carlos Alexandre de Jesus Lucas – ambos lotados atualmente no Comando de Operações Especiais –, os majores Nilton João dos Prazeres Neto (chefe da 3ª Seção) e Edson Alexandre Pinto de Góes (coordenador de Operações), além dos capitães Rodrigo Leitão da Silva (chefe da 1ª Seção) e Walter Colchone Netto (chefe do Serviço Reservado). Também são acusados de integrar a quadrilha 18 praças e um civil.
A operação desta segunda é um desdobramento da Operação Compadre, deflagrada pela Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança do RJ em abril de 2013, quando 78 mandados de prisão foram expedidos, 53 deles contra policiais militares, para a desarticulação de uma quadrilha que realizava cobranças de propina de feirantes e comerciantes com mercadorias ilícitas, em Bangu.
Os acusados responderão na 1ª Vara Criminal de Bangu pelo crime de associação criminosa armada, que não consta do Código Penal Militar. A pena é de dois a seis anos de reclusão. Os integrantes da quadrilha também serão responsabilizados pelo Ministério Público pelos diversos crimes de concussão (praticados por funcionários públicos), que serão apurados pela Auditoria de Justiça Militar estadual.
Fonte http://veja.abril.com.br/

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O que é a corrupção policial?

Um dos grandes desafios da democracia brasileira na atualidade diz respeito ao combate à corrupção que se encontra embrenhada no seio do Estado.
O alto nível de corrupção das instituições coloca em xeque o Estado democrático e de direito, além de fragilizar os arranjos organizacionais, indispensáveis para a estabilidade do sistema social e político. Por isso, podemos discordar de muitas das ações empreendidas para o enfrentamento da criminalidade, no Rio de Janeiro. Mas é imperioso concordar em pelo menos dois pontos: há uma ação coordenada e duradoura envolvendo os três níveis de governo, articulando ações de combate e prevenção ao crime. Segundo, parece que há uma decisão política dos governos, especialmente dos estaduais, na reestruturação do sistema de segurança pública, o que implica no enfrentamento de mazelas históricas, entre as quais a corrupção policial.
A corrupção policial consiste no uso do poder de polícia para a obtenção de ganhos de natureza extralegal. De um modo geral, entende-se como corrupção policial a ação de agências ou atores institucionais de polícia que não condizem com as práticas legalmente adotadas pela instituição. Deste modo, atitudes como a parceria com o crime (quando a atuação policial se dá de modo a facilitar a ocorrência de comportamentos delituosos), apropriação indevida do produto de apreensões de mercadorias, ganhos extraorganizacionais obtidos em troca de proteção, extorsões, aplicação diferenciada da lei sobre minorias sociais, cobrança ilegal por segurança (como ocorre com as milícias) são alguns exemplos dos modos como a corrupção policial se manifesta.
Como enfrentar o crime quando parte dos agentes responsáveis pelo seu combate não são confiáveis e, mais que isso, estão envolvidos com variados tipos de ilegalidades? Como tornar a polícia mais confiável, quando muitos agentes são comparados aos criminosos mais perigosos? As tentativas de depuração em curso nas agências policiais fluminenses demandarão empreitadas constantes do Estado, dado o nível de comprometimento dessas instituições. Porém, simbolicamente, o enfrentamento público do problema, por si só, sinaliza que o poder público está empenhado nas impostergáveis mudanças, fundamentais para uma “virada no jogo”. Vários exemplos internacionais mostram que o êxito no combate ao crime está atrelado ao combate à corrupção policial: Nova York, Bogotá e Medellín são alguns desses exemplos.
A corrupção policial no Rio é apontada por muitos como a mãe da maioria dos males da criminalidade local. Se as operações no Complexo do Alemão simbolizaram a retomada do território, o enfrentamento da corrupção policial será a reconquista do controle estatal do aparato de segurança pública, até agora minado justamente pelo alto grau de decomposição das instituições policiais fluminenses. A corrupção policial atinge o princípio da igualdade e da justiça, destrói a confiança dos cidadãos e deslegitima as instituições de segurança. Atinge diretamente o ideal da transparência pública e amedronta a cidadania, princípio básico da democracia. Por isso, a corrupção produz injustiça de todos os níveis, gerando uma quantidade imensa de custos sociais, sendo o principal, a escalada da violência e da criminalidade. Portanto, extirpar a corrupção nas polícias é a principal batalha na guerra contra o crime e, se o estado vencê-la, terá grandes condições de êxito em toda a empreitada que visa à melhoria objetiva da segurança pública. Se capitular, mais uma vez todos perderão. Registre-se, não obstante, a expectativa de que todas as ações de combate à corrupção policial transcorram dentro da legalidade e com transparência.
Robson Sávio Reis Souza
Pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Crisp), associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

domingo, 2 de fevereiro de 2014

CORRUPÇÃO POLICIAL E A TEORIA DAS "MAÇÃS PODRES"



(NOTA PRÉVIA. O presente artigo é a tradução, resumida e adaptada, de DA SILVA, Jorge. “Fighting police corruption in Brazil: The case of Rio de Janeiro”. In: SARRE, Rick et al. (Orgs.). Policing corruption: International perspectives. Lanham, Maryland: Lexington Books, 2005, v. 1, pp. 247-258).

       O que fazer contra a corrupção policial? Em geral, as propostas de solução para o problema vão mais ou menos na mesma direção: proceder a uma depuração radical, com a punição rigorosa dos corruptos e a sua pronta expulsão dos quadros da polícia para que não “contaminem” os bons; selecionar candidatos a policiais honestos (“sem vícios”), e treiná-los no marco da lei e dos direitos humanos. Para isso, deveriam ser criadas ou reforçadas as corregedorias e ouvidorias, e reformulados os currículos das academias. Por outro lado, os policiais deveriam ser remunerados condignamente. Em suma, verdadeira receita de bolo, palatável a eruditos, informados e leigos.

       No início de 2001, fui convidado a participar, na Polônia, de um encontro de acadêmicos e executivos públicos de vários países para discutir, em reuniões fechadas, o tema da corrupção (“Corrupção: Uma Ameaça à Ordem Mundial”). Os patrocinadores (o “International Police Executive Symposium” – IPES e o Ministério do Interior e da Administração polonês) pediam aos participantes que as exposições fossem acompanhadas de um texto para posterior publicação em livro coletivo. Como eu dispunha de mais de dois meses para escrever o texto, despreocupei-me. Achava que seria fácil; que, de uma só sentada, daria cabo da tarefa. A mais ou menos uma semana da viagem, resolvi escrevê-lo. Entrei em pânico, pois não consegui sair do primeiro parágrafo, preso à idéia de que a solução era realmente punir com todo rigor os desviados, excluí-los, selecionar novos policiais, e mudar os currículos. E eu, que tinha de escrever entre dez e quinze páginas? Como? Só então, às pressas, fui dar uma estudada no assunto de forma objetiva. Logo constatei que, em se tratando da atividade policial, o que chamam de “teoria das maçãs podres” constitui-se numa falácia, grosseira simplificação. Ainda que o caminho fosse esse, ficaria faltando saber, antes: Quem são os corruptos da polícia? Quantos e quais são? O que é um candidato a policial “sem vícios”? Um treinamento adequado para fazer o quê?

       Corrupção Individual x Corrupção Sistêmica

       É fato conhecido que um dos principais problemas de gerência com o qual se defronta qualquer autoridade governamental ou executivo da polícia é a luta contra a corrupção policial. Essa tarefa parece mais fácil em sociedades democráticas estabelecidas do que nas emergentes ou em transição, devido à relativa transparência inerente às primeiras e à opacidade das segundas.

       Lutar contra a corrupção policial de forma objetiva é empreendimento a ser necessariamente precedido de pelo menos três indagações: (a) qual é o nível de corrupção existente na polícia em relação ao que se poderia considerar nível “zero”?; (b) qual o nível de corrupção geral existente na sociedade em que se cogita combater a corrupção policial?; e (c) num ambiente determinado, o que estaria pesando mais: os desvios isolados de policiais com fraqueza de caráter ou a estrutura social e/ou os modelos gerenciais que favorecem a corrupção sistêmica?

       Estas não são questões fáceis de responder; porém, por alguma razão, sequer costumam ser formuladas. As ações contra a corrupção policial são adotadas quase sempre de forma reativa, sobretudo em função da divulgação pela mídia de casos pontuais. Nessas ocasiões, o contexto social e/ou organizacional parece não ter maior importância, sendo a polícia tratada como se tivesse existência no vácuo ou como um apêndice da sociedade, e os policiais envolvidos tratados pelos dirigentes como “maçãs podres”, exceções à regra da integridade institucional. 

       O cerne do meu argumento diz respeito ao escapismo contido nessa forma moralista, no mau sentido, de enfrentar a corrupção policial. Na verdade, colocando-se a “culpa” pela corrupção organizacional nos que são eventualmente apanhados com a mão na massa, parece que todos, nas organizações, no governo e na sociedade em geral, estariam isentos de qualquer responsabilidade. Este quadro torna possível, por exemplo, que pessoas participantes de esquemas de corrupção se apresentem publicamente dando apoio a campanhas moralistas anticorrupção na polícia como se fossem arautos da moralidade. Daí por que, sempre que explodem os escândalos, lá estão cidadãos até então “acima de qualquer suspeita”, partícipes da corrupção sistêmica, estrutural. 

       O texto divide-se em três partes. Inicialmente, faz-se uma breve aproximação teórica sobre a corrupção, mostrando-se como a mesma tem sido analisada ultimamente em diferentes sociedades. Depois, tendo em mente a sociedade brasileira, analisa-se a corrupção em seu aspecto societário, indagando da relação que possa existir entre a corrupção como um mal que afeta a sociedade como um todo e a corrupção exclusivamente policial. Em terceiro lugar, levantam-se as dificuldades enfrentadas para lutar contra a corrupção policial, com ênfase em algumas características sociais que contribuem para essa dificuldade, como, no caso do Rio de Janeiro, a incoerência de se incitar a polícia à truculência (há mesmo quem, explícita ou veladamente, prefira que os policiais executem os criminosos em vez de prendê-los) e de querer que essa mesma polícia seja íntegra. E finalmente apresentam-se algumas sugestões.

       Corrupção como Tema de Estudo

       A luta contra a corrupção é complicada por inúmeros fatores; porém a dificuldade básica é definir o que seja a corrupção, independentemente de sua definição legal, que varia enormemente de uma sociedade para outra. O termo tem sido empregado para se referir a um amplo espectro de ações. Pode ser usado para designar ações ilegais ou antiéticas perpetradas por pessoas em posição de autoridade ou de confiança no serviço público, ou por cidadãos e empresas em sua relação com os agentes públicos. Conseqüentemente, parece claro que a luta contra esse mal não pode ser confinada ao setor público e restringir-se a medidas punitivas, penais e administrativas, dirigidas a agentes individuais, pois não há dúvida de que a corrupção interna quase sempre depende da relação entre as autoridades e os cidadãos.

       Antes de partir para o enfrentamento da corrupção, é mister que se esteja cônscio de sua complexidade e das diferentes perspectivas a partir das quais se pode abordá-la. É possível que estejamos falando de corrupção como uma questão filosófica, especulando sobre valores morais e éticos. Ou vendo-a de uma perspectiva econômica, como um subproduto do capitalismo. Ou como questão político-cultural, indagando, por exemplo, por que em determinados países a “grande corrupção” é punida com penas duras, incluindo a pena de morte, e em outros com penas brandas, quando chega a ser punida. Ou como tema criminal, quando a corrupção é vista simplesmente como uma infração da norma penal, descartadas as considerações filosóficas, econômicas e político-culturais, como é comum acontecer no Brasil.    

       Assim, pensar em enfrentar a corrupção de forma reativa, tendo em mente apenas a racionalização do direito penal, é definitivamente uma atitude reducionista. O código penal é um instrumento formal, tipificando condutas individuais em abstrato. Acontece que estamos falando de relações concretas, que explicam a corrupção muito mais como um sistema de vasos comunicantes. Na sociedade brasileira, por exemplo, além do peculato, que consiste na apropriação, pelo funcionário, de dinheiro ou outros bens públicos (Conferir Art. 312 do Código Penal); da extorsão, que consiste na obtenção de vantagem com o uso da violência ou grave ameaça (modalidade muito praticada por maus policiais (Conferir Arts. 158-160)), a legislação penal distingue formalmente entre “corrupção passiva”, crime cometido por servidor público, que consiste em “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem” (Art. 317) e “corrupção ativa”, crime cometido pelo cidadão comum, consistente em “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício” (Art. 333). A legislação ainda distingue a concussão, cuja diferença da corrupção passiva reside no fato de o funcionário “exigir” a vantagem. 

       Oliveira (1994:66) discorre sobre algumas peculiaridades do direito brasileiro em relação ao de outros países na caracterização do crime de corrupção e similares. Mostra, por exemplo, que em determinados países, como a Itália, o crime é dito bilateral, a partir do entendimento de que corrupto e corruptor praticaram o mesmo crime, diferentemente do Brasil, em que é considerado crime autônomo. Um ponto que merece um comentário especial refere-se à natureza da autoridade do policial. Esse autor, esclarecendo a diferença entre os três tipos de ato do funcionário público (vinculado, discricionário e arbitrário), mostra que, em se tratando de corrupção, a discricionariedade pode ser usada, ou não, para favorecer comportamentos corruptos, pois o ato discricionário:

"é daqueles atos em que a lei regula a competência, a forma e a finalidade e deixa o mais à prudência da autoridade. Cabe a essa avaliar a oportunidade, a conveniência e o modo de realização do ato. A rigor, discricionário é o poder da autoridade, não propriamente o ato por ela praticado no exercício desse poder.”

       Assim, diante de uma situação concreta, essa avaliação pode ser comprometida pelo interesse escuso da autoridade. Em se tratando do policial, não é difícil imaginar o grande número de situações em que o seu poder discricionário (poder de que, em determinadas situações, é investido até mesmo o policial menos graduado), pode ser usado por ele próprio, “solicitando” ou “exigindo” vantagem para praticar ou deixar de praticar ato de ofício; ou usado pelo particular para “oferecer” ou “prometer” vantagem indevida, ou seja, para praticar o suborno. Tais sutilezas da legislação brasileira, principalmente o fato de a corrupção passiva e a ativa serem crimes autônomos, talvez sejam parte da explicação do porquê de ser comum que funcionários que tenham recebido dinheiro em tais circunstâncias acabem enfrentando acusações criminais sozinhos, sem que os corruptores o sejam[1]

       Pode parecer que esses comentários sobre a legislação sejam exabundantes; porém eles são apresentados por dois motivos: primeiro, para que fique claro que a legislação não dá conta da corrupção policial sistêmica, organizacional; e segundo, para jogar luz no outro lado da moeda. Exceto nos caos de extorsão e de concussão principalmente, boa parte da corrupção policial é induzida pelo comportamento corrupto de maus cidadãos.

       Este fato não pode ser usado para justificar a corrupção policial, porém a luta contra ela implica a conscientização ético-moral da população em geral, e, mais que tudo, dos jovens. Se, de um lado, há funcionários prontos a participar de esquemas corruptos, é preciso reconhecer que, de outro lado, há cidadãos supostamente honestos, viciados em oferecer-lhes propinas e em tentar suborná-los. Questão político-cultural, como vimos. 

       Não é só no Brasil que a corrupção tem sido abordada de maneira moralista, como desvio individual de caráter, ou seja, de uma forma que poderíamos chamar de moralista-individualista. Algumas análises sobre o assunto, contudo, têm ido além dessa perspectiva, como é o caso do estudo de Carvalho (1987: 61-82), o qual afirma que a corrupção não deve ser encarada como um fenômeno isolado ou como um mal que se possa curar simplesmente demitindo os agentes “contaminados”. Para esse autor, o principal problema é a corrupção sistêmica, quando se inverte a ética da organização e a violação das normas se torna o padrão de conduta. Em tal contexto, os que se dispõem a seguir as normas podem ver-se em apuros. O que dizer dos policiais que querem agir corretamente, mas que percebem que fogem ao padrão do que é aceito como “normal” por muitos?

“Nos atos ilícitos isolados, providências internas (originadas na própria organização) são suficientes para corrigir desvios e restabelecer o respeito à norma. O mesmo não se dá com a corrupção sistêmica, quando a organização assume um caráter ‘cleptocrático’, contrariando por seus atos e omissões o prescrito nas leis [...]. Não se corrigem os desvios sistêmicos com o afastamento de seus beneficiários. Mudam-se os atores, mantêm-se os papéis. Trocam-se os artistas, mas se preserva o enredo da peça”. (p. 73)

       Em certo sentido essa visão corresponde à de Harberfeld et al (2000: 41-72), que distinguem a “abordagem individualista” da corrupção (moralista) da “abordagem organizacional” (sistêmica). De fato, a corrupção é muito mais do que um mero defeito moral atribuído a indivíduos isolados. Ela também é isto, mas se torna realmente uma grande questão quando assume forma sistêmica e se espraia por toda uma sociedade ou determinada organização. A idéia de combater a corrupção policial com a “teoria das maçãs podres” desconsidera o dado de que os casos sempre tidos por governantes e dirigentes da polícia como isolados, podem refletir muito mais um problema organizacional, do sistema em que a polícia está inserida, do que corresponder a um defeito moral deste ou daquele policial. Daí concluir-se que o combate aos casos individuais deve ser parte de uma estratégia mais abrangente, em que a responsabilidade dos governantes e autoridades pelos desmando da polícia e pela corrupção policial sistêmica seja avaliada.

       Corrupção como Problema Societário. Abordagens

       Nas últimas duas décadas, a comunidade internacional tem mostrado grande preocupação com a corrupção. Os países em desenvolvimento têm sido retratados como sendo mais vulneráveis a ela do que os países avançados, e esta avaliação, embora até certo ponto seja procedente, não leva em conta que grande parte da corrupção nos países em desenvolvimento tem muito a ver com as relações comerciais destes com aqueles. Portanto, um aspecto relevante da questão que não se deve deixar de lado é a necessidade de compreensão clara dos valores culturais da sociedade em análise. Se considerarmos o contexto brasileiro, por exemplo, veremos que, além de ser um país em desenvolvimento, o Brasil continua a exibir em sua estrutura social fortes marcas do patrimonialismo, em que público e privado às vezes se misturam como numa oligarquia. 

       Uma importante contribuição para o entendimento da corrupção como um problema societário é o estudo de Carvalho, citado acima, que identificou, além da concepção tradicional(ista) das “maçãs podres”, outras três formas de abordar a corrupção. As quatro abordagens identificadas por ele são as seguintes:

       (1) Abordagem Tradicionalista
       Também chamada de moralista-individualista, trata-se de uma abordagem em que a corrupção é vista como um desvio das normas por estes ou aqueles indivíduos que, descobertos, passam a ser tidos como possuidores de falhas de caráter. Baseia-se na crença de que, retirando-se os indivíduos desviados do convívio dos bons, as coisas voltariam à ordem desejável.

       (2) Abordagem Funcionalista
Os funcionalistas preocupam-se com o contexto em que as práticas corruptas ocorrem. Segundo essa visão, o nepotismo, o suborno e outras práticas corruptas podem desempenhar funções sociais positivas, e mesmo integradoras, dependendo do contexto sócio-cultural. É uma visão não-moralista, que favorece a manutenção dostatus quo.

       (3) Abordagem Evolucionista
Segundo essa visão, a corrupção será banida na medida em que a sociedade evolua. Mudanças para melhor serão o resultado inevitável da modernização. Valores e métodos externos provenientes das sociedades desenvolvidas exerceriam forte influência sobre as subdesenvolvidas, forçando as mudanças.

       (4) Abordagem Ético-Reformista
Os ético-reformistas não descartam o aspecto ético-moral da corrupção, porém concentram-se na sua forma sistêmico-organizacional. Pensam que as mudanças podem ocorrer independentemente da modernização se forem envidados esforços no sentido de destruir os sistemas que favorecem a corrupção.

       Se pensarmos nos freqüentes escândalos acontecidos em muitos países, e também no Brasil, fica claro que a abordagem tradicional tem tido o efeito de fortalecer a corrupção sistêmica, num interminável círculo vicioso, do qual se pensa sair com a produção de normas e mais normas voltadas para desvios supostamente individuais. Tal fórmula se presta a que pessoas participantes da corrupção sistêmica, como já mencionado, articulem uma retórica moralista, desviando a atenção de todos para casos pontuais.
       Em nenhuma hipótese se pode justificar a corrupção policial, pois os policiais são os primeiros guardiões da lei e da ordem. Porém, isto não significa que se possa lutar contra a corrupção policial sem fazer conta do contexto em que a polícia atua. Sem que se avalie se as “expectativas da população” em relação ao comportamento dos policiais guarda coerência com a forma de a população relacionar-se com eles. A propósito das “expectativas da população” deve-se estar sempre atento para o fato de que a indignação contra a corrupção policial pode não corresponder à indignação contra a corrupção em geral, pois a população sempre espera um comportamento íntegro da polícia, validando um princípio que deve nortear as políticas anticorrupção na esfera policial: em toda sociedade, a população espera ter uma polícia íntegra, a despeito dos níveis de corrupção vivenciados por esta mesma sociedade. È óbvio que isto é uma complicação, mas não deve servir de desculpa para justificar a corrupção no seio da polícia.
 
       O Rio de Janeiro ofereceu, em 1994, um exemplo perfeito desse princípio. Refiro-me ao escândalo do “jogo do bicho”. Quando membros do Ministério Público e da polícia estadual apreenderam os arquivos do “chefão” do jogo, descobriram que os policiais envolvidos não estavam sozinhos na lista das propinas. Lá estavam também, em número expressivo, cidadãos supostamente honestos de diferentes setores da sociedade, das áreas pública e privada, inclusive políticos. Este exemplo mostra que a corrupção há que ser enfrentada em todas as suas dimensões. Mostra também que o Rio de Janeiro, pelo menos em 1994, era um caso acabado de uma sociedade em que a tolerância à ilegalidade e à corrupção atingira provavelmente o seu ponto mais alto.
 
       Ao discorrer sobre a corrupção policial especificamente, Haberfeld et al (Op. cit: 42) também criticam a abordagem tradicionalista, a qual, segundo eles, é “por vezes chamada de teoria da ‘maçã podre’”. Para esses autores, medidas burocráticas limitadas aos cuidados com a seleção do pessoal e ao rigor com os agentes corruptos são insuficientes, pois a corrupção policial apresenta características que a tornam particularmente difícil de controlar e medir, tais como: a relutância dos policiais em relatar atividades corruptas de seus colegas (o código do silêncio); a relutância dos administradores policiais em admitir a existência da corrupção sistêmica; e o fato de a típica transação corrupta beneficiar ambas as partes envolvidas. Interessados na mensuração objetiva da corrupção, esses autores entendem ser mais fácil medir os meios usados para resistir à corrupção como um problema organizacional, do que tentar medi-la como um problema de fraqueza de caráter destes e daqueles policiais.

       Esses autores apresentam então uma lista das “dimensões mensuráveis” da corrupção:

       (1) Regras organizacionais
       Refere-se à maneira como as normas são elaboradas, comunicadas e compreendidas. O problema aqui é a diferença entre o que é formalmente considerado proibido (por exemplo, trabalhar nas horas de folga, receber favores, gorjetas, pequenos presentes, refeições grátis) e a política não-oficial da corporação de ignorar informalmente tais comportamentos. Exemplo típico desse “arranjo” é o “bico” dos policiais no Rio de Janeiro, proibido por lei, mas tolerado pelas cúpulas das forças de segurança e pelo Governo.  

       (2) Técnicas de controle da corrupção
       Refere-se ao espectro de providências e atividades empregadas para prevenir e controlar a corrupção policial (educação ética, investigação proativa e reativa, testes de integridade, disciplina e punição etc.).

       (3) “O Código”
       Refere-se ao código do silêncio, isto é, ao nível de consenso informal sobre o que não deve sair do círculo restrito dos policiais, impedindo-os de relatar o mau comportamento dos colegas envolvidos em práticas corruptas.

       (4) Influência das expectativas da população
       Tem a ver com o nível de influência sobre as instituições e agências, exercido pelo ambiente social e político em que as mesmas operam, influência esta que pode variar até em áreas da mesma cidade ou bairro. No Rio de Janeiro, a influência de moradores das camadas altas da Zona Sul em relação à dos moradores de favelas e periferia, por exemplo. 

       Com efeito, essas “dimensões mensuráveis” são mais fáceis de medir. É possível mensurar o aparato normativo de uma organização para lidar com a corrupção e como, na prática, ele funciona; igualmente, não é tão complicado listar as técnicas preventivas utilizadas na seleção, na formação e na disciplina interna; idem no que tange ao nível de acobertamento mútuo entre os policiais; e bem assim mensurar o grau de expectativa, positiva ou negativa, em relação ao seu comportamento. Os autores demonstraram a possibilidade de se proceder a essa mensuração em pesquisa por eles realizada com a aplicação de questionários em que utilizaram a técnica de “survey”. Pediram a integrantes de polícias de alguns países que avaliassem a corrupção na sua corporação. Foram apresentados onze cenários hipotéticos de situações que poderiam ou não ser consideradas corruptas, a fim de que eles opinassem, variando as situações entre aceitar uma refeição de graça a casos mais graves, como um de truculência policial. Daí, atos considerados lícitos num lugar podem ser tidos por corrupção em outro. 

       Em suma, estou tentando chamar a atenção para aquilo a que Klitgaard (1994: 78) se refere como “culturas que favorecem a corrupção”. Como exemplo, ele menciona a sociedade mexicana, onde as relações pessoais desempenhariam um papel importante nesse sentido. Não é diferente no Brasil. O chamado “jeitinho brasileiro”, que muitos brasileiros ainda consideram uma característica cultural positiva, é na verdade, em na maioria dos casos, uma forma de fazer aquilo que é ilegal ou errado. Quando alguém pede a um funcionário público, em especial a um policial, para “dar um jeito”, está na verdade dando a senha para a barganha.

       Num país em que praticamente toda semana a mídia relata casos de corrupção envolvendo pessoas de elevada posição na sociedade; em que se divulga que milhões e milhões de dólares têm sido enviados para contas pessoais em paraísos fiscais; em que os altos níveis de corrupção, como percebida pela população, colocaram o País em 49o lugar no ranking da Transparência Internacional[2] relativo ao ano 2000; em que o establishmentpolítico no poder tem resistido com todo o vigor à criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a “grande corrupção”; em que a impunidade é percebida pela população como sendo a norma, não se pode esperar ter muito sucesso na luta contra a corrupção policial.       

       Estas ponderações não devem ser tomadas, repito, como justificativa para a corrupção policial ou como pretexto para não se empreender uma ação vigorosa contra ela, independentemente de qualquer esforço que se faça contra a corrupção em geral. Elas são apresentadas aqui como uma advertência aos que realmente desejam combater a corrupção policial, mas combatê-la como um problema organizacional, sistêmico, e que não queiram ser confundidos com aqueles outros que, no seio da sociedade, articulam o discurso moralista como mero disfarce, procurando realçar as mazelas da polícia com o propósito de sair do foco. Em se tratando de mensuração, uma boa providência seria desenvolver uma pesquisa para saber em que nível se situa a prática do suborno (e de sua tentativa) na sociedade brasileira. Como se sabe, não são só bandidos que tentam subornar policiais e outros operadores do sistema de justiça e segurança, oferecendo dinheiro e outras vantagens para corrompê-los. Muitos cidadãos “idôneos” são dados a essa prática.

       Corrupção e Truculência Policiais, Irmãs Siamesas

       Na atividade policial, corrupção e truculência costumam ser irmãs siamesas, pois ambas as práticas têm a ver com o descumprimento das leis e das normas formais das corporações. Tal equivale a dizer que condescender com a segunda é estimular a primeira, sendo redondo contra-senso estimular uma e abominar a outra. É o que se observa no Rio de Janeiro. Ora, não se pode pensar em combater a corrupção policial na cidade sem levar em conta o seu sistema social; sem levar em conta o fato aparentemente óbvio de que se trata de uma cidade brasileira, e de que estamos falando de um país latino-americano. O Brasil foi um imenso palco onde a escravidão e o colonialismo europeu foram praticados durante séculos, com a opressão de milhões e milhões de negros e indígenas. Em 1872, a população era constituída de quase dois terços de não-brancos de ascendência africana. E não se deve esquecer de que o País esperou até as vésperas do século XX (1888) para abolir a escravatura. Ora, é desnecessário explicar como os escravos e libertos eram controlados. A polícia, que sucedeu formalmente às milícias privadas dos proprietários de terras, continuou com a tarefa de “controlar” os ex-escravos e seus descendentes. Dados relativos ao censo de 2000 dão conta de que 45,3% de seus 169 milhões de habitantes (mais ou menos a mesma proporção do Rio) mostram na cor da pele a ascendência predominantemente africana. Hoje, como sustenta Peralva (2000), a “continuidade autoritária”, acentuada durante o regime militar, representa um obstáculo a qualquer tentativa de reforma das instituições encarregadas da ordem pública no sentido de sua democratização.

       Para complicar, sendo um país latino-americano, o Brasil foi afetado de forma muito peculiar por duas “guerras”: a “guerra ao comunismo” e a “guerra às drogas”, ambas tendo o efeito de produzir mais violência entre os brasileiros e, no caso desta última, de aumentar a criminalidade organizada e seu subproduto vital: a corrupção. Em suma, sem falar das elevadas taxas de desemprego e do enorme fosso social entre pobres e ricos, estamos falando de uma cidade cujas características sociais favorecem a criminalidade e a corrupção. 

       Há consenso em que o Rio de Janeiro é uma “cidade partida”, como a descreveu Ventura (1994) e como Da Silva (2000:121-30) reforçou. De um lado, a cidade dos “cidadãos”; de outro, a cidade dos “suspeitos”. No meio, as forças da ordem, hesitando entre operar segundo os cânones de uma sociedade democrática ou fazê-lo de acordo com a tradição autoritária, demandada por setores com mais poder e voz na sociedade. Ora, num país fortemente marcado pela assimetria social, não é difícil imaginar o que acontece com as forças de segurança. Dependendo do contexto, o “comportamento policial”, para usar a expressão de Wilson (1978) varia em função de as comunidades serem consideradas “perigosas” ou “inofensivas”, e os indivíduos serem rotulados a priori como “cidadãos” ou “marginais”, tudo em conformidade com as idiossincrasias tanto das corporações policiais, as quais se alinham às idiossincrasias de setores com mais poder e voz na sociedade. Dependendo do contexto, portanto, os detentores do poder podem ser levados a imaginar que a função da polícia é somente manter a ordem, o que pode ser confundido com manter a ordem tradicional, informal, e não a ordem democrática, constitucional. Nesse quadro, os freqüentes atos de truculência são descritos como exceções à regra, com a mesma lógica das  “maçãs podres” no que se refere à corrupção. Assim, tomados os erros como exceções, a sociedade fica à mercê de outros problemas: (a) os executivos da polícia e os policiais mais graduados não são questionados quanto a decisões equivocadas e às suas habilidades gerenciais; (b) os atos não revelados abertamente continuam a ser cometidos de forma sistêmica; (c) os policiais de baixo escalão são usados como bodes expiatórios por seus superiores e governantes sempre que desvios específicos vêm à tona.

       Problemas Gerenciais

       Se se pretende empreender uma ação decidida contra a corrupção policial sistêmica, entendo que pelo menos três principais problemas gerenciais devem ser resolvidos de antemão, conforme já mencionei alhures[3]: primeiro, o da falta (ou debilidade) de um sistema de responsabilidade objetiva (accountability); segundo, o que poderíamos chamar de “motivação negativa”; e terceiro, a conexão brutalidade-corrupção.

       Por “falta (ou debilidade) de um sistema de responsabilidade objetiva (accountability)”, refiro-me à ausência de um sistema que estabeleça claramente a relação entre autoridade e responsabilidade, nos diferentes níveis hierárquicos, em função das responsabilidades organizacionais atribuídas a priori aos chefes e policiais em caso de má conduta dos integrantes da instituição. Deve-se notar que o discurso das “maçãs podres” é freqüentemente usado por executivos da polícia e pessoal de alto escalão como forma de escapar à responsabilidade, numa estratégia que se poderia chamar de “culpismo escapista”, sempre dirigida aos que estão em baixo.   

       Por “motivação negativa”, refiro-me ao antagonismo sistemático contra as entidades de direitos humanos que autoridades, políticos e até comentaristas da mídia costumam colocar em seu discurso, afirmando abertamente que a ação dessas entidades objetiva a proteção de criminosos. A prevalência desse discurso tem tido um duplo efeito entre os policiais: ele realmente os motiva a agir, mas levando-os a se imaginarem com autoridade e poder são ilimitados, o que leva necessariamente à brutalidade.

       Por “conexão brutalidade-corrupção”, quero reafirmar a corrupção e a truculência são irmãs siamesas. Isto não significa que todo policial corrupto seja truculento, mas que, em ambiente formalmente democrático, nas ruas, o policial truculento (que usa o poder e a arma de fogo com desrespeito às leis) tende a ser também corrupto. Na verdade, apenas aqueles policiais violentos conseguem acumular cacife para, por exemplo, barganhar com traficantes igualmente violentos.

       Na luta contra a corrupção policial, pode ser considerado um guia de grande utilidade o contido no relatório do “Fórum Global do Vice-Presidente sobre a Luta contra a Corrupção: Salvaguardando a Integridade entre Autoridades da Justiça e da Segurança”, realizado em Washington, D.C. (1999). Em tal relatório são relacionados doze princípios orientadores, dos quais podem ser destacados três como os mais importantes:

(a) Estabelecer códigos de conduta éticos e administrativos que proscrevam conflitos de interesses, assegurem o uso adequado dos recursos públicos e promovam os mais elevados níveis de profissionalismo e integridade.
(b) Assegurar que a mídia e o público em geral tenham liberdade para receber e partilhar informações sobre assuntos relacionados à corrupção, sujeitando-os apenas às limitações ou restrições que são necessárias numa sociedade democrática.
(c) Promover, encorajar e apoiar, em bases contínuas, a pesquisa e a discussão pública de todos os aspectos que se refiram a assegurar a integridade e prevenir a corrupção entre funcionários da justiça e da segurança, assim como outros servidores públicos cujas responsabilidades se relacionem com a manutenção das regras da lei.


       Esses princípios foram elaborados especificamente para enfrentar a corrupção. Uma estratégia mais ampla deveria incluir, e combinar-se com, os três problemas “gerenciais” listados acima.

       Conclusão e Sugestões

       É possível afirmar que o ponto de partida na formulação de qualquer programa para o enfrentamento da corrupção policial sistêmica deveria ser a consciência das limitações práticas inerentes à abordagem moralista-individualista. Não que se deva negligenciar, na formação dos policiais, a importância dos valores morais. Nada obstante, é preciso reconhecer que terá muito mais efeito dissuasório nessa luta concentrar o foco nas estruturas que favorecem a corrupção, e bem assim elevar os custos da prática corrupta (em relação aos ganhos), com a criação de mecanismos que aumentem de forma substancial as possibilidades de os agentes da corrupção serem descobertos e punidos. Para cumprir tal desiderato, e tendo em mente a sociedade e a polícia brasileiras, seria necessário:

       (a) investir em padrões de gestão da segurança pública baseados no princípio da responsabilidade objetiva e solidária dos dirigentes (accountability), principalmente quando a corrupção policial e a truculência tiverem assumido dimensão sistêmica, organizacional. Com isso se evita o círculo vicioso garantido pela “teoria das maçãs podres”, que opera com a lógica da busca culpados na ponta da linha, feitos bodes expiatórios, para eximir da responsabilidade os de cima.  

       (b) mensurar a corrupção sistêmica, ou melhor, os meios usados para resistir a ela, usando as “dimensões mensuráveis da corrupção” sugeridas por Haberfeld et al: “regras organizacionais”, “técnicas de controle da corrupção”, “o Código” e “a influência das expectativas da população”, como vimos acima;

       (c) criar mecanismos destinados a dificultar a prática da corrupção (e não, deixar que aconteça para punir depois), com isso aumentando as probabilidades de os agentes da corrupção serem descobertos e punidos antes que ela se espraie.

       (d) estabelecer uma espécie de “código de integridade”, tendo como objetivo principal substituir o código do silêncio (o “Código”) ou minimizar os seus efeitos;

       (e) identificar os tipos de corrupção policial que têm conexão íntima com a brutalidade policial e com o crime organizado. Talvez se chegue à conclusão de que, dependendo da forma que a corrupção assume, seja necessário desenvolver um programa paralelo de combate à brutalidade policial, especialmente quando exercida em comunidades pobres, dominadas por traficantes locais;

       (f) adotar os “princípios orientadores” do Relatório do Fórum Global do Vice-Presidente, especialmente os três princípios destacados acima.

       (g) criar um sistema de supervisão civil, oferecendo aos cidadãos em geral, e à sociedade organizada em particular (nos diferentes níveis...), mecanismos institucionalizados de acesso para que possam interagir com a polícia e controlá-la, como corregedorias e ouvidorias externas à polícia etc.

       (h) direcionar os currículos (e especialmente a metodologia) das academias e escolas da polícia, para disciplinas que respondam às necessidades de uma sociedade livre, tais como: o papel da polícia numa democracia, direitos humanos e cidadania, relações polícia-comunidade, prevenção policial, investigação policial, criminologia, criminalística, informática, patrulhamento preventivo;

       (i) modernizar a estrutura da polícia, de modo a ajustá-la aos modelos organizacionais do mundo competitivo de hoje, reduzindo os níveis decisórios e tornando todos os policiais individualmente responsáveis (accountable) perante a organização e o público;

       (j) motivar os policiais de forma “positiva”, com ênfase na importância do seu papel social, a fim de que tenham orgulho dele, além de oferecer-lhes salários decentes e condições de trabalho adequadas; e não motivá-los negativamente, como se devessem ser honestos para não serem pegos, na base de recompensas passageiras e ameaças de punição. Como a motivação daquele aluno que só estuda se for para ganhar a bicicleta.

       Há quem acredite sinceramente que a corrupção policial é um problema em si mesmo, resultado de desvios individuais de caráter, como se cada policial fosse uma ilha, e o seu comportamento não pudesse ser condicionado, para o bem ou para o mal, pelo contexto e pelos interesses internos e externos, de dirigentes, superiores, colegas e setores da própria sociedade. Esperamos – e seria bom que isso não fosse utopia – que uma couraça moral que revestisse os policiais os tornasse infensos a configurações sociais em que os valores morais não tivessem prevalência. Há policiais assim, como há pessoas assim em qualquer setor de atividade. Que bom se fossem todos!... Portanto, enfrentar a corrupção policial sem fazer caso de suas raízes e dos múltiplos fatores que a condicionam em determinado contexto, é atitude que, antes de ser equivocada, é incompreensível. Ou compreensível, se o objetivo inconfessável dos administradores da segurança publica e da polícia é fugir à própria responsabilidade pelos desacertos resultantes muito mais da má gestão do que de outra coisa. Mais fácil pinçar, aqui e ali, indivíduos supostamente desprovidos de moral e jogar neles todas as culpas do sistema. Como se, dentro das instituições (e isto é válido para o setor público em geral) só permanecessem os honestos. Boa receita para não resolver o problema.

       Notas

[1] Evaristo de Moraes (Cf. MORAES, 1987:21) observa que o crime de corrupção, previsto no Código Penal, art. 317, § 1º, com pena que pode atingir dez anos de reclusão, “lidera as estatísticas da chamada delinqüência oculta”.
[2] Cf. www.transparency.org/documents/cpi/2000. Como se sabe, o Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional classifica os países numa escala que vai de 0.0 (altamente corrupto) a 10.0 (altamente limpo). A Finlândia obteve 10.0 e ficou em primeiro lugar; a Nigéria obteve 1,2 e ficou em último entre os 90 países avaliados; o Brasil obteve 3,9 e ficou em 49o lugar, o que significa que o público no Brasil percebe a corrupção no País como sendo endêmica e muito alta.
[3] CF. DA SILVA, Jorge. “Law enforcement with the community”. In: MENDES, Errol, P. et al.  (Editores).Democratic policing and accountability: global perspectives. Aldershot, England; Brookfield, USA: Ashgate, 1999, p. 119.

       Referências Bibliográficas

CARVALHO, Getulio. “Da contravenção à cleptocracia”. In: LEITE, Celso B. Sociologia da corrupção. Rio
             de Janeiro: Zahar, 1987, pp. 61-82.
DA SILVA, Jorge. “Fighting police corruption in Brazil: The case of Rio de Janeiro”. In: SARRE, Rick et al.
             (Orgs.). Policing corruption: International perspectives. Lanham, Maryland: Lexington Books,
              2005, v. 1, pp. 247-258).
______ .  “The Favelados in Rio de Janeiro, Brazil”. In: Policing and Society. The Netherlands: Harwood
               Academic (Vol. 10, Number 1), 2000, pp. 121-130.
HARBERFELD, Maria R. et al. “Police officer perceptions of the disciplinary consequences of police
              corruption in Croatia, Poland, Slovenia and the United States”. In: Police practice & research -
              an International Journal (Vol. 1, n. 1).  Plattsburgh, NY: Harwood Academic, 2000, pp. 41 - 72.

KLITGAARD, Robert E. A corrupção sob controle; tradução de Octávio A. Velho. Rio de Janeiro: Zahar,
             1994, p. 78.
MORAES, Antônio Evaristo de. “O Círculo vicioso da Corrupção”. In: Sociologia da corrupção. Rio: Zahar,
             1987.
OLIVEIRA, Edmundo. Crimes de corrupção. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
PERALVA, Angelina. Violência e democracia: o paradoxo brasileiro. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
VENTURA, Zuenir. Cidade Partida. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1994.
WILSON, James Q. Varieties of Police Behavior: The Management of Law & Order in Eight Communities.
               Cambridge, USA; London, England: Harvard, 2ª ed., 1978.