segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Ações de milícias mancham imagem do Rio de Janeiro, que receberá a Copa e as Olimpíadas


Simon Romero e Taylor Barnes
Do New York Times, em Niterói (Rio)
Patrícia Acioli, uma juíza conhecida por prender policiais corruptos, encostou o carro na entrada de sua casa certa noite de agosto, nesta cidade do outro lado da Baía de Guanabara do Rio. Seus perseguidores chegaram ao mesmo tempo. Então eles realizaram seu trabalho, disparando 21 vezes, até o corpo dela ficar caído no assento de seu carro.

“Eu corri para fora após ouvir os disparos”, disse o filho dela, Mike Chagas, um estudante universitário de 20 anos. “Ninguém deveria ter a experiência de ver sua mãe morta a tiros na frente de casa.”

“Eu soube imediatamente que ela tinha sido morta por causa do trabalho dela”, ele disse.

Horas antes de ser morta, Acioli tinha emitido mandados de prisão para três policiais acusados de matar um jovem desarmado de 18 anos em uma favela, parte de um grupo de policiais sendo investigados pela formação de um esquadrão da morte. Os mesmos três seriam presos posteriormente por ligação com o assassinato dela, juntamente com oito outros da força policial.

O depoimento deles em um tribunal aqui, descrevendo em detalhes como seguiram Acioli e tramaram por meses a morte dela, revelou um aspecto perturbador do novo policiamento assertivo do Rio de Janeiro, a base de seus esforços para garantir a segurança da cidade antes de receber a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

As autoridades foram parabenizadas por retomar áreas sem lei dos narcotraficantes em várias favelas por toda a vasta área metropolitana de 11,8 milhões de habitantes. Mas a imagem de uma cidade em recuperação tem sido minada pelas ações de suas próprias forças de segurança, particularmente as milícias compostas por policiais do serviço ativo e aposentados, guardas de presídios e soldados.

Esses grupos funcionam como um braço criminoso do Estado. Segundo as investigações da Justiça, eles extorquem dinheiro de proteção dos moradores, operam transporte público ilegal, cobram comissões das vendas de imóveis, aplicam punições contra aqueles que cruzam o caminho deles e, mais alarmante, realizam execuções extrajudiciais.

Alba Zaluar, uma antropóloga da Universidade do Estado do Rio de Janeiro que estuda segurança pública, vê as milícias que exercem um papel paramilitar indo muito além da linha do policiamento legal. Seu poder está se expandindo, segundo a pesquisa que ela supervisiona, com 45% das favelas do Rio sob controle das milícias em 2010, em comparação a 12% em 2005.

“Eles estão invadindo, vigiando, comprando as favelas dos traficantes”, disse Zaluar.

Apesar da recente expansão vigorosa das milícias, seu poder em várias partes do Rio, especialmente no oeste da cidade, não é novo. Originalmente chamada de “polícia mineira”, uma menção às táticas agressivas de policiamento em Minas Gerais, as milícias atuam no Rio há três décadas.

Uma investigação legislativa de 2008 sobre as milícias do Rio levou à prisão de várias autoridades ligadas aos grupos, incluindo deputados, vereadores e comandantes da polícia. As milícias do Rio, juntamente com os esquadrões da morte formados por policiais do Estado vizinho de São Paulo, são responsáveis por centenas de assassinatos a cada ano e a impunidade nesses casos permanece a norma, segundo um relatório do Human Rights Watch de 2009.

As autoridades do Rio, incluindo Fábio Galvão, o subsecretário de Inteligência do Estado, dizem que estão cientes do problema, argumentando que à medida que as milícias começaram a crescer no meio da década passada, também cresceu o número de prisões de membros de milícias, de apenas cinco dessas prisões, em 2006, para 250 em 2009 e 143 em 2010.

Mas Galvão disse que o combate ao problema tem se tornado mais difícil devido ao crescimento das milícias e à capacidade de seus líderes presos de coordenarem as atividades mesmo atrás das grades.

Galvão disse que a grande expansão das milícias ocorreu há cerca de seis anos, antes de episódios marcantes como o assassinato de Acioli terem chamado a atenção da imprensa. “Um monstro estava crescendo”, ele disse. “Quando eles começaram a reagir, já era um grande negócio.”

Nos últimos meses, surgiram sinais de que as milícias estavam expandindo além de seus redutos no Rio. Uma reportagem do jornal “O Globo” descreveu como as milícias tinham se espalhado para 11 dos 26 Estados do Brasil, frequentemente conquistando os moradores com a morte de traficantes, antes de imporem seus próprios métodos de coerção e controle.

Galvão, o subsecretário de Inteligência, repetindo o que foi dito por acadêmicos que estudam as milícias, disse que apesar dos homicídios caírem nas áreas sob o controle das milícias, outros crimes, como espancamentos e estupros, frequentemente crescem.

O uso de tortura pelas milícias foi detalhado em um relato pungente no ano passado por Nilton Claudino, um ex-fotógrafo de um jornal do Rio, que foi descoberto com um repórter por uma milícia enquanto trabalhavam disfarçados no Jardim Batan, uma favela do Rio.

Ele descreve as sete horas de tortura, com métodos incluindo choques elétricos e sufocamento temporário com sacos plásticos. Ele disse que seus torturadores, de uma milícia chamada Águia, incluíam policiais. Ele posteriormente fugiu do Rio e atualmente está escondido.

“Um dos meus torturadores me disse: ‘Sua vida nunca mais será a mesma’”, escreveu Claudino no relato. “Ele tinha razão.”

Nem as autoridades e nem os pesquisadores têm estimativas confiáveis de quantos milicianos atuam no Rio, apesar de estimarem que o número ultrapasse em muito as centenas e talvez seja ainda maior.

O descaramento dos líderes das milícias, incluindo aqueles recentemente presos ou encarcerados, é notável. Ricardo Teixeira da Cruz, um líder de uma milícia chamada Liga da Justiça, teria no ano passado comandado seus subordinados da prisão. Outro líder da mesma milícia fugiu da prisão em setembro, um dia depois das autoridades terem desmantelado o grupo.

Durante um dia de depoimento em novembro no julgamento do caso Acioli, Claudio Luiz de Oliveira, um policial preso no caso e acusado de ordenar seu assassinato, sorria para os fotógrafos. Acioli investigava o envolvimento dele e de seus subordinados em dezenas de assassinatos, nos quais alegavam que as pessoas mortas tinham resistido à prisão.

Outros policiais presos no caso de Niterói descreveram como recorreram a uma milícia do outro lado da baía para executar o assassinato da juíza. Mas então os policiais, enfurecidos com os mandados de prisão expedidos contra eles, simplesmente optaram por matá-la eles mesmos. Os investigadores ainda estão tentando determinar se os assassinos dela pertenciam a uma milícia específica ou a um esquadrão da morte menos organizado.

“Eu me senti injustiçado e decidi executá-la”, disse Sérgio Costa, um de seus assassinos. Ele disse que usou duas armas na emboscada. “Como não sabia ao certo se ela estava morta, eu peguei outra arma e descarreguei nela.”

O ultraje tomou conta após o assassinato da juíza em agosto. Outros juízes falaram sobre ameaças de morte. Manifestantes criaram um memorial para a juíza em uma praia de Niterói, postando mensagens de pesar em uma árvore, incluindo uma com as palavras “guerreira contra a impunidade”.

Em dezembro, Djalma Beltrami, o novo comandante do batalhão da polícia que era investigado por Acioli, foi preso por acusações de corrupção. As autoridades o acusaram e a outros 10 policiais de terem recebido quase US$ 100 mil em propina dos narcotraficantes em uma favela não distante de onde Acioli foi morta.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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